Eu sou o Monstro

Toshiaki Kato
Vi recentemente a nova versão de A Bela e o Monstro (2017) que se tornou um clássico da Disney quando, há cerca de 25 anos, rompeu com o padrão das suas denominadas “princesas.”
O filme é visualmente bonito. No entanto, há uma “rapidez” de edição que não nos deixa usufruir nem das canções, nem dos cenários, nem dos enésimos pormenores gráficos das personagens. Tudo está em constante movimento e a nossa atenção, quando é despertada, não consegue permanecer nesse foco porque ele simplesmente já não está ou está noutro local qualquer. Esta é uma evolução de certos filmes que me desagrada. Para efeitos comerciais foram encurtados e tudo nos é apresentado à pressão.
Voltemos então há 25 anos. Bela não era princesa, nem pertencia a uma aristocracia falida. Era a filha de um relojoeiro, que gostava de ler e cujos interesses não passavam pelo casamento com os pretendentes disponíveis. Mesmo quando esses eram muito apetecíveis às outras moças casadouras. E não era loura, mas sim uma morena cuja beleza, sem ser estonteante, advinha, sobretudo, das suas características interiores. Finalmente, uma heroína com que nos podíamos identificar, física e emocionalmente. (Pelo menos, até percebermos que esta poderá ser vítima de Síndroma de Estocolmo).
Agora, ao voltar a esta história e com uma experiência e outras perspectivas, percebo que a personagem com quem me identifico é o Monstro. Não somos o que há primeira vista se apresenta aos outros. Não no sentido do engano, mas no sentido de que normalmente ficamos presos a uma primeira percepção, muitas vezes condicionada por estereótipos sociais e estéticos. E quando não estamos dispostos a sacrificar-nos para entrar em conformidade com esses padrões, os demais podem-se afastar. Mas não é só isso.
O Monstro sofreu um revés que alterou profundamente o seu modo de ser. O seu modo de vida ruiu de um momento para o outro. Isso induziu-o a uma alteração dos seus valores, mas também da sua percepção dos valores que regem a sociedade. Ele sabe que já não corresponde ao que esperam dele, mas também sabe que dificilmente lhe darão a oportunidade de dar a conhecer a sua nova personalidade. Ele tinha valores fúteis, mas a sociedade também os tem e estes são mais difíceis de alterar do que os do individuo. Então, também voluntariamente, este isola-se e desiste de uma vida exterior. E só se abre ao mundo quando alguém, mesmo que inadvertidamente, encontra uma brecha na sua muralha emocional. E só aceite pela sociedade exterior quando em conformidade com as expectativas sociais e estéticas.

Quantas pessoas não conhecemos assim? Eu conheço-me...

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